O Ministério do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social (MTSSS) de Portugal pediu uma auditoria externa na Santa Casa Global, criada para gerir loterias e jogos no mercado externo, disse nesta segunda-feira uma fonte do gabinete da ministra Ana Mendes Godinho à agência Lusa.
De acordo com a mesma fonte, atualmente correm dois processos distintos, por um lado a reavaliação dos Relatórios de Gestão e Contas da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa (SCML) relativos aos anos de 2021 e 2022, e por outro uma "avaliação externa e independente na Santa Casa Global, no âmbito do processo de internacionalização de jogos".
Fonte do MTSSS explicou que, depois de concluída essa "avaliação profunda", foi pedida à SCML uma reavaliação das contas dos anos de 2021 e 2022, o que está acontecendo.
Em abril, quando a ministra Ana Mendes Godinho foi chamada ao Parlamento para esclarecer as razões por que não tinha homologado as contas da SCML, a governante explicou estar em curso "uma avaliação profunda a todas as rubricas" e justificou a decisão de não homologação com a "grande variação que houve, seja na despesa seja na receita, que implicou uma avaliação e uma análise profunda das contas, até para garantir o futuro (...) e garantir a sua sustentabilidade".
Paralelamente, o MTSSS pediu uma auditoria externa na Santa Casa Global, empresa com a participação da SCML, "operadora de loterias e jogos de apostas orientada para a criação de parcerias internacionais para implementar e gerir operações fora do território português".
Tal como o Público noticiou em 29 de maio, o projeto de internacionalização da Santa Casa de Misericórdia de Lisboa, que está sendo conduzido pela empresa Santa Casa Global, já custou 20 milhões de euros, mas ainda não obteve receitas. Segundo apurou o Público junto à fonte da SCML, o investimento rondou os 11 milhões de euros em 2021 e ultrapassou os 9,5 milhões no ano seguinte.
A própria Santa Casa Global, criada para implementar este projeto e explorar jogos fora do território nacional, vai voltar a dar prejuízo, segundo a mesma fonte, que não revelou o valor em causa, sublinhando apenas que os resultados do ano passado são negativos e superam os de 2021.
Nesse ano, e de acordo com o respectivo relatório de contas, a Santa Casa Global apresentou um resultado líquido negativo de 2,17 milhões de euros.
Esta empresa nasceu da necessidade, identificada ainda no tempo da gestão de Edmundo Martinho, que foi recentemente substituído por Ana Jorge no cargo de provedor, de criar alternativas para a sustentabilidade financeira da Santa Casa.
Com um mercado em Portugal já considerado “maduro”, e perante a responsabilidade de não levar as famílias a um maior endividamento ao criar mais jogos, Edmundo Martinho e a sua equipe viram no estrangeiro a possibilidade de crescer.
Licitação anulada
Neste sentido, a Santa Casa Global, que apenas tem dois anos de existência, começou a explorar oportunidades. Apresentou uma candidatura para concessão dos Jogos Sociais do Estado (JSE) de Angola com um parceiro local, a Topjogos. A parceria foi selecionada para a fase final da licitação que foi, posteriormente, anulada por se terem verificado inconformidades não passíveis de serem corrigidas, no entender da Comissão de Avaliação do certame.
Em 16 de outubro de 2021, através de um contrato de prestação de serviços, com duração de cinco anos, a Santa Casa Global passou a ter a gestão da Sojogo, entidade gestora dos jogos sociais em Moçambique. Esta empresa foi constituída em 2004, tendo a SCML participado com bens no valor de 295.116 euros, o que correspondia a 40 % do capital social — atualmente detém 87,06%.
Os empréstimos concedidos pela SCML à Sojogo, em 31 de dezembro de 2021, ascendiam a 400 mil euros. Fonte da Santa Casa Global alega que as previsões apontam para que a Sojogo venha a dar lucro no próximo ano, situação que até aqui não se verificou.
Brasil na mira da Santa Casa Global
Depois, a Santa Casa Global decidiu rumar à América do Sul. Para concretizar esse objetivo, investiu numa empresa de base tecnológica, a Ainigma Holding Services, que assegura o desenvolvimento da plataforma utilizada pela Nexlot, operador de loterias, no Peru. Foi lançada a loteria Torito de Oro, mas ainda não há receitas. Fonte da Santa Casa Global diz que, além da pandemia, o negócio tem sido muito afetado pela instabilidade política no país.
Outra aposta muito forte, onde, aliás, a Santa Casa Global tem investido a maior parte do capital, foi o Brasil. A estratégia incluiu a aquisição de uma participação financeira numa empresa que opera a loteria no estado do Rio de Janeiro, a MCE, conseguindo o acesso ao conhecimento necessário à operação no mercado brasileiro, essencial à concretização dos objetivos.
Em abril, e antes de sair, Edmundo Martinho anunciou que a empresa tinha sido escolhida para, em regime de exclusividade e em consórcio com a entidade pública do Banco de Brasília, explorar e operar os jogos e loterias no Distrito Federal.
Suspensão do negócio
Porém, em 8 de maio, o Tribunal de Contas do Distrito Federal determinou a suspensão do negócio, solicitando que, no prazo de 30 dias, prestasse esclarecimentos sobre a sua competência no âmbito da exploração de jogos sociais e loterias e sobre os procedimentos formais do processo.
Este projeto está, assim, num impasse, tal como a ideia de avançar com um investimento nos Países Baixos para a aquisição de uma licença para exploração de jogos online, que está à espera de uma avaliação da nova provedora da SCML, Ana Jorge.
Por concretizar também ficou a ideia de alienar, no ano passado, 40% da Santa Casa Global por 23,5 milhões de euros. Segundo o Plano de Atividade da SCML para 2022, esta proposta visava reduzir o esforço financeiro e o risco a que a instituição está exposta, no âmbito da internacionalização do jogo.
Fonte: Público