O governo de São Paulo se prepara para o leilão de concessão de loterias estaduais na Bolsa de Valores de São Paulo (a B3), marcado para 13 de setembro. A exploração do mercado de loterias, considerada lucrativa, passou a ser permitida a estados e municípios após 2020, quando o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu por unanimidade que a União não detém o monopólio sobre a exploração do negócio.
Apesar da decisão do STF, no final de 2023 o Congresso Nacional aprovou a Lei Lei 14.790/2023, que regulamenta as apostas esportivas e jogos online. Ela incomodou governos de São Paulo, Minas Gerais, Acre, Paraná, Mato Grosso do Sul, Rio de Janeiro e Distrito Federal por impedir que o mesmo grupo econômico obtenha concessão em mais de um estado para explorar serviços lotéricos. Na prática, isso beneficiaria a União, já que a concessão e o pagamento de outorga federal permitiriam à empresa atuar em todo o país.
Por trás dessa discussão, está a disputa entre os estados e a União tanto pela arrecadação bilionária das vendas de outorgas quanto pela arrecadação de impostos do setor. A aprovação da Lei 14.790/2023 foi uma prioridade do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, e do governo Lula (PT) para aumentar a arrecadação fiscal.
Contrários a trechos da legislação, os seis estados e o DF entraram no STF com uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI), que ainda não foi julgada. "Estamos aguardando a decisão muito otimistas com o que vem, pois o STF tem sido muito ponderado a esse respeito, as decisões têm sido técnicas e positivas", diz à Gazeta do Povo Edgard Bezonatti Neto, diretor-presidente da Companhia Paulista de Parcerias.
Em relação à tributação, o projeto paulista foi feito com base na decisão do STF de 2020 e determina que a incidência do imposto da operação de aposta ocorrerá conforme o local em que o usuário vai fazer o ato da compra. "A interpretação que o estado de São Paulo está fazendo disso, que está razoavelmente pacificada, é que o apostador precisa estar em São Paulo para poder apostar na nossa loteria", diz ele.
Para isso, o site da loteria fica obrigado a identificar a geolocalização do usuário por meio do IP ou serviços do dispositivo móvel. Caso o jogador esteja fora do estado de São Paulo, ele não poderá fazer apostas.
O diretor acredita que a ADI, que está nas mãos do ministro Luiz Fux, será julgada antes do leilão e que há poucas chances de a decisão ser mais favorável à Caixa Econômica Federal e contrária a um ambiente de competição mais livre entre os estados. Ainda assim, ele afirma que o projeto de concessão de loterias paulista está preparado para "surpresas desagradáveis".
"Temos perspectivas muito positivas, independentemente da decisão da ADI, porque colocamos alguns mecanismos dentro do contrato que permitiriam acomodar uma decisão posterior. Mas esperamos que a decisão venha antes, ainda há um tempo razoável até o leilão", acredita.
Mercado de apostas em expansão desperta interesse de investidores e estados
Um relatório publicado pela XP Investimentos em janeiro deste ano, com base em estimativas da plataforma de apostas BNL Data, mostra que as empresas do setor faturariam R$ 13 bilhões no Brasil em 2023, um aumento de 71% em relação a 2020. Já a estimativa sobre o valor das apostas totais no último ano ficaria entre R$ 100 bilhões e R$ 120 bilhões, o que representa aproximadamente 1% do PIB brasileiro.
Ricardo Bianco Rosada, sócio da brmkt.co, consultoria estratégica e de marketing com experiência no mercado de apostas, afirma que em 2024 os números do mercado vão crescer. "Esse ano a gente acha que todas as bets que existem no Brasil vão movimentar R$ 250 bilhões, sendo que 37% desse valor vem do estado de São Paulo", diz ele.
Para competir com as licenças federais, que permitem que as marcas atuem com consumidores do Brasil todo, Rosada afirma que a gestão estadual tem de oferecer um produto muito bom e com uma condição favorável para que a empresa aceite operar apenas no estado e com exclusividade para os jogadores do local. "Se a outorga e a taxação ficam muito altas, não fica atraente para as empresas", acrescenta ele.
De acordo com o diretor-presidente da Companhia Paulista de Parcerias, a loteria paulista atrai muito interesse dos investidores devido ao tamanho e à concentração de renda no estado de São Paulo. "É um mercado que, em termos de volume de transação e valores de receita, tem uma equivalência próxima ao mercado da Inglaterra ou da França, então é um ativo bastante atrativo para o setor", diz ele.
Edson Lenzi, diretor-executivo da PayBrokers, instituição financeira especializada em iGaming e loterias no mercado nacional, afirma que o fato de o estado ser o mais rico do país "se reflete nas apostas, com 30% do total das transações do setor vindo de São Paulo".
Projeto de loteria paulista prevê R$ 3,4 bi de arrecadação em 15 anos
O projeto de concessão do governo Tarcísio estima uma outorga fixa inicial, ou seja, o valor mínimo pago ao Estado pelo direito de explorar o contrato por 15 anos, de R$ 260 milhões. Já a outorga variável, de 35% da receita operacional bruta do concessionária, é estimada, em uma projeção conservadora, em R$ 3,4 bilhões, valor que será destinado para investimentos na área da saúde.
Os detalhes do edital de concessão da loteria paulista:
Cinco tipos de serviço poderão ser explorados, em locais físicos ou online.
Loteria de prognóstico específico (previsões de jogos diversos, como futebol e vencedores ou eliminados em reality show)
Loteria de prognóstico esportivo (tenta-se prever o número de gols marcados em partidas, como Lotogol, Loteca)
Loteria de prognóstico numérico (os jogadores escolhem números e ganham se acertarem uma quantidade de números sorteados. Exemplo: Mega-Sena, Quina)
Loteria instantânea (cartões que são raspados para descobrir se ganharam um prêmio, como Raspadinha e Lotex)
Loteria passiva (bilhetes pré-impressos com números específicos, como Loteria Federal e Loteria de Natal)
Ao menos 31 pontos de vendas exclusivos ao estilo "loja conceito" deverão ser instalados, obrigatoriamente, em todas as regiões do estado de São Paulo.
Os locais devem estar em pontos movimentados, mas ao menos 300 metros distante de creches ou unidades de ensino.
Implementação não obrigatória de 11 mil pontos de venda não exclusivos.
Entre as obrigações do concessionário, está a de apresentar um plano de prevenção à lavagem de dinheiro, além de um plano de jogo responsável com bloqueios a menores de idade.
Empresas devem ter certificações como a WLA, que visa a qualidade da operação com relação à segurança de informação e compromisso com o jogo responsável; a GLI, que consolida um sistema blindado em relação à lavagem de dinheiro e manipulação dos jogos; certificação ISO, para garantir que está em conformidade com os melhores parâmetros do mercado.
A Agência Reguladora de Serviços Públicos do Estado de São Paulo (Arsesp) será responsável pela fiscalização do contrato, enquanto um verificador independente dará suporte na fiscalização.
Conforme apuração da Gazeta do Povo junto a fontes do mercado, a concessão paulista vem atraindo grandes players internacionais que já têm operação no Brasil, como a IGT e a Scientific Games, que operam a loteria do estado de Minas Gerais. Além delas, o trâmite desperta o interesse de empresas como a Intralot, a Hebara - que já atuou na loteria no Rio de Janeiro - a Jogos da Sorte, a Lottoland e a Idea Maker.
Fonte: Gazeta do Povo